Durante todos os pleitos eleitorais, milhares de cidadãos dedicam-se a trabalhar como mesários para garantir que o processo democrático aconteça de maneira fluida e organizada. No entanto, a tarefa, que já é em grande parte considerada árdua e cansativa, tem seus desafios ainda mais exacerbados quando a infraestrutura e os recursos fornecidos não são satisfatórios. Foi nesse contexto que um episódio curioso e, ao mesmo tempo, preocupante veio à tona nas recentes eleições: um mesário, identificado como Ademir de Souza, acabou sendo afastado de suas funções por se envolver em atividades de cunho promocional em troca de lanches melhores durante o turno eleitoral.
Ademir, segundo fontes, estava promovendo de maneira explícita um candidato denominado Tomás do iFood. Não se tratava de um ato de militância tradicional ou mesmo uma tentativa de coerção política. Ao contrário, a motivação revelada era quase prosaica: a melhoria dos lanches oferecidos aos mesários. Dentre suas ofertas ‘culinárias’ para persuadir tanto eleitores quanto colegas de trabalho estava um misto-quente gelado e uma garrafa de tubaína aquecida. Parece até ironia ou piada, mas ilustra bem o ponto a que a insatisfação pode chegar quando questões práticas básicas, como alimentação, são negligenciadas em um processo tão crucial.
Para muitos, a associação de Ademir com a campanha de Tomás parecia risível, uma espécie de teatro do absurdo político. De fato, o próprio Ademir defendeu suas ações com um argumento que ganhou eco entre muitos mesários: ‘se precisamos aguentar longas horas de trabalho numa função indigesta, ao menos que o lanche seja uma luz no fim do túnel’. O argumento, ainda que inusitado, reflete um sentimento de negligência e desconexão entre responsabilidade e recompensa, com descaso pelas condições mínimas de trabalho impostas a esses cidadães trabalhadores
Esta preocupante combinação de ativismo inusitado em mesas fixas de votação com o ressentimento crescente em qualquer relação de trabalho de baixa remuneração ou voluntarismo, como o de mesários, traz à luz questões mais amplamente políticas e sociais. Primeiro, há a indagação: como pode um Estado ou município esperar que o eleitorado aceite ser mesário (geralmente um papel forçado a ser cumprido sob risco de pena de outras atividades cívicas) se a contrapartida é um alimento de baixa qualidade e desdém pelas necessidades básicas de quem ali trabalha?
Quanto mais se reflete, questões de maior amplitude ganham força: estamos tratando deste inusitado evento como um reflexo mais profundo de uma sociedade que, muitas vezes, prefere superficiais soluções imediatistas ao invés de se engajar em revitalizar por completo sistemas e estruturas operacionais? O debate adentra, então, em território delicado: a natureza das promessas políticas, tanto em sua credibilidade quanto em sua capacidade de tocar o cotidiano das pessoas.
Outra crítica que surge a partir desse episódio é a própria exploração do espaço cívico como palanque culinário político. Partidos e candidatos devem focar em promessas políticas que realmente impactem e não na armadilha da troca venal de um voto por uma garrafa de soda aquecida. Isso levanta a questão mais central: até que ponto é a responsabilidade deles em fazer com que o exercício da cidadania com reflexão e participação ativa seja embandeirada como principal petição de campanha?
Enquanto muitos podem encarar o episódio com Ademir e sua ‘política da tubaína quente’ como apenas uma anedota — uma brincadeira que ilustra as condições de eleição no Brasil — a questão levantada permanece vital. Quanto tempo levará para que a plenitude do diálogo político e as promessas comece realmente na tangibilidade do dia a dia, mesmo em algo tão simples quanto um lanche em um local de votação? Os lanches podem parecer triviais diante do grande espetáculo da democracia em jogo durante as eleições. Contudo, a alimentação, enfatizamos, se estabelece não só como uma função vital, mas como uma metáfora contundente das condições de trabalho de nossos cidadãos.
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